domingo, 19 de agosto de 2018

A razão acaba? Ela serve ao cristão?


A razão acaba? Ela serve ao cristão?

Nesta sexta-feira, 17 de agosto de 2018, estava dando aula para uma 3ª série do ensino médio, a aula era sobre a “Justa desigualdade para Platão”[1], faz parte do currículo do estado de São Paulo esse conteúdo, logo não era minha a intenção, mas o como ensinar a respeito eu sou o autor sem dúvida.
Para entender o que significa isso é preciso entender que Platão, pensa a pólis como a anima ou alma do ser humano. Quer dizer que Platão divide a cidade em três partes, como ele fez com a alma, da seguinte maneira:
- A alma está dividida em parte concupiscente, aquela que é responsável pelas nossas necessidades básicas, fome, sono, sede, reprodução, além do ser humano todo ser vivo a tem.
- Outra é parte iracivel, é a parte responsável pela sobrevivência frente aos perigos, os seres vivos também tem essa parte para sua proteção, uma cascavel não faz ataques gratuitos, mas sim apenas na intenção de se proteger.
- Finalmente a outra parte da alma é a alma racional, responsável pelo controle das outras duas e organiza nossas ações e reações, por exemplo nos ajudando na hora que sentimos vontade de usar o banheiro, não o fazemos em qualquer lugar, mas procuramos um lugar apropriado, não saímos por ai atacando as pessoas, mas acabamos usando a agressividade em nossa defesa – mesmo que alguns usem ajam erradamente e usam a força para reprimir e violentar o outro em sua dignidade.
Dito isso para meu alunos, surge uma pergunta: “Professor, a razão pode acabar?” Parei por um instante, percebi a honestidade da pergunta e respondi:
 - ‘Não, a razão não pode nem nunca vai acabar, mas há um problema, trocarmos quem deve controlar. A razão pode sair do controle por uma doença, o caso da depressão, da síndrome do pânico. Momentaneamente perdemos o controle da razão e se fosse Freud, diria que seu superego (sua consciência repressora) assumiu o controle.
No entanto, se é uma doença relevamos, mas nosso problema ainda pode ser maior. Voluntariamente se pode entregar o controle da razão aos seus desejos e instintos. Atualmente – disse eu – ou talvez sempre, as pessoas tem entregado o controle de suas ações aos seus instintos. Você pergunta a alguém “por que fez isso?”, ela responde que fez porque teve vontade, não pensou nas consequências, ou seja, não fez uso da razão.
Pegaram a razão, jogaram para debaixo do tapete, sobre esse tapete puseram um armário bem pesado para a razão não sair dali. É como eu me sinto diante das pessoas. Sinto dor, angustia, sofrimento em vez que uma coisa tão simples como o uso da razão e rejeitada em vista de fazer “minha vontade”.
Se fosse Freud, ele diria que é o id (sua consciência volitiva) quem controla a mente dos homens hoje, tudo parece ser uma questão de “suprir uma necessidade” que na verdade não existe.’
Houve um silêncio enquanto e depois de ter dito isso, vi algumas reações de concordância com a cabeça, percebi que essa “pedrada” havia acertado a janela, ainda não sei, mas minha esperança é que tenha quebrado o vidro e acertado o espelho dentro da casa.

A razão e o cristão
A aula acabou, mas aquilo que eu havia dito para eles voltou-se para mim com uma pergunta “e o cristão, onde cabe isso na vida cristã?” Logo me lembrei de Paulo dizendo em Romanos sobre “culto racional”, diz o texto “Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês[2]. Me perguntei novamente: “Quantas vezes uso a razão para prestar culto a Deus?”
Quero que você saiba que não é um gnosticismo, não significa que ter conhecimento ou currículo acadêmico é ser salvo ou glorificar a Deus. Não é isso, a pergunta que me fiz e que te faço é: Quantas vezes eu estou racionalmente consciente da minha prática cristã? Outra pergunta seria: “Quantas vezes não estou agindo mecanicamente, sem sequer pensar nas minhas ações? Quantas vezes a fé cristã é controlada pelas necessidades básicas ou pela autoproteção? E eu creio que nenhuma dessas duas seja saudável.
Sem dúvida que nossa razão não é auto suficiente, não acredito nisso, pois, como herdeiros do pecado de Adão estamos sujeitos a uma mente limitada, incapaz de compreender as maravilhas de Deus, bem como os malefícios do pecado sobre nós. A própria queda de Adão e Eva foi a superação do controle racional pela vontade (parte concupiscente, id), além de querer vencer o que julgou repressor (outo proteção, superego), colando de lado a sua razão que conscientemente sabia que não deveria comer o fruto, pois os mataria[3].
Depois da queda, a razão humana fica enuviada pelo pecado, que agora o impede de ver claramente, tal qual a neblina numa manhã de inverno ou a noite sem luar, somos tomados agora por instintos que nos levam ao descontrole, ao desequilíbrio, a irracionalidade. Quando os homens decidem fazer só o que lhes dá vontade, o outro sofrerá as consequências.
Não me lembro com exatidão, mas me lembro de Rousseau, querendo falar sobre a formação da sociedade e das leis, ele afirma que ser guiado pelos instintos não é liberdade, é escravidão, a verdadeira liberdade está em criar leis pelo uso da razão e as obedecer, já que ao cria-las decidimos por elas não mais por instinto[4].
Rousseau não é cristão nem estava pensando nisso quando escreveu essa ideia, contudo, pensando sobre o “culto racional” me recordo disso e não é possível não liga-la a fé cristã, Paulo nos lembra que antes de Cristo éramos escravos pecado (romanos 6) e que agora por meio do sacrifício de Cristo devemos obedecer a Deus, nos submetendo as Suas leis.
Voltando a Platão, seria dizer que nossa parte racional estava aprisionada por causa do pecado e que agora em Cristo ela é livre para controlar as outras duas, o versículo seguinte ao citado no inicio dessa seção diz Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus[5].
O culto racional exige uma mudança de mente, ou seja, não mais obedecer a parte concupiscente ou iracivel de nossa alma, mas obedecer a nossa parte racional, liberta por Cristo, para a obediência a Deus e suas leis.
Me recordo do livro de John Sttot, Crer é também pensar[6], e penso como podemos não saber porque temos fé em Cristo. Como podemos dizer que somos cristãos quando nossa ação não reflete a Cristo, e digo isso como uma reflexão pessoal, pensando em todas as vezes que não agi como deveria fazer, simplesmente por que quis fazer do meu jeito, sem pensar.
Mudança de mente, mudança de atitudes a conta e resultado são esses. Não podemos colocar nossa razão embaixo do tapete, ser cristão é algo que se faz com a razão, não por Espirito Santo, o Espirito não é guia de “cristão instintivo”, Ele guia cristão que é controlado por sua razão.
Seja você um não cristãos, essas ideias também se aplicam a você, concorde ou não, você foi feito a imagem Dele, a morte de Cristo na cruz também foi para que você, crendo, seja salvo, volta de Jesus descrita em Apocalipse também vai envolver a sua presença. Talvez você olhe e não veja razões que agradem a você, já que irão sim, limitar você, mas esse limite vai colocar você em um equilíbrio racional, você não seja mais controlado (ou descontrolado) pelos seus desejos e instintos. Seguir a Cristo é uma escolha que passa sem dúvida pelo crivo da razão. De ao menos o beneficio da dúvida.




[1] Platão desenvolve esse tema em seu livro A República
[2] Romanos 12:1
[3] Gênesis 3
[4] Pesquisando relembrei que esta ideia é apresentada por Rousseau no Do Contrato Social, de sua autoria.
[5] Romanos 12:2
[6] STOTT, John R. W. Crer é também Pensar. Editora Ultimato. 1ªEdição, 2012



Leia também outras reflexões que envolvem a vida cristã
- Reflexões de um professor sobre o papel de ser professor
- Ser professor é obedecer ao segundo mandamento
Outras reflexões
- Pensamento e Ação

2 comentários:

  1. Muito bom o argumento. Para sermos cristãos, temos que sê-lo conscientemente.Através da razão, podemos discernir entre o certo e o errado, e fazer a escolha correcta, para que a vontade de Deus se concretize em nós. Temos sim, que ter razão.

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