A razão acaba? Ela serve ao cristão?
Nesta sexta-feira, 17 de agosto de 2018,
estava dando aula para uma 3ª série do ensino médio, a aula era sobre a “Justa
desigualdade para Platão”[1],
faz parte do currículo do estado de São Paulo esse conteúdo, logo não era minha
a intenção, mas o como ensinar a respeito eu sou o autor sem dúvida.
Para entender o que significa isso é
preciso entender que Platão, pensa a pólis
como a anima ou alma do ser
humano. Quer dizer que Platão divide a cidade em três partes, como ele fez com
a alma, da seguinte maneira:
- A alma está dividida em parte concupiscente,
aquela que é responsável pelas nossas necessidades básicas, fome, sono, sede,
reprodução, além do ser humano todo ser vivo a tem.
- Outra é parte iracivel, é a parte
responsável pela sobrevivência frente aos perigos, os seres vivos também tem
essa parte para sua proteção, uma cascavel não faz ataques gratuitos, mas sim
apenas na intenção de se proteger.
- Finalmente a outra parte da alma é a
alma racional, responsável pelo controle das outras duas e organiza nossas
ações e reações, por exemplo nos ajudando na hora que sentimos vontade de usar
o banheiro, não o fazemos em qualquer lugar, mas procuramos um lugar
apropriado, não saímos por ai atacando as pessoas, mas acabamos usando a agressividade
em nossa defesa – mesmo que alguns usem ajam erradamente e usam a força para
reprimir e violentar o outro em sua dignidade.
Dito isso para meu alunos, surge uma pergunta:
“Professor, a razão pode acabar?” Parei por um instante, percebi a honestidade
da pergunta e respondi:
-
‘Não, a razão não pode nem nunca vai acabar, mas há um problema, trocarmos quem
deve controlar. A razão pode sair do controle por uma doença, o caso da
depressão, da síndrome do pânico. Momentaneamente perdemos o controle da razão
e se fosse Freud, diria que seu superego
(sua consciência repressora) assumiu o controle.
No entanto, se é uma doença relevamos,
mas nosso problema ainda pode ser maior. Voluntariamente se pode entregar o
controle da razão aos seus desejos e instintos. Atualmente – disse eu – ou talvez
sempre, as pessoas tem entregado o controle de suas ações aos seus instintos.
Você pergunta a alguém “por que fez isso?”, ela responde que fez porque teve
vontade, não pensou nas consequências,
ou seja, não fez uso da razão.
Pegaram a razão, jogaram para debaixo do
tapete, sobre esse tapete puseram um armário bem pesado para a razão não sair
dali. É como eu me sinto diante das pessoas. Sinto dor, angustia, sofrimento em
vez que uma coisa tão simples como o uso da razão e rejeitada em vista de fazer
“minha vontade”.
Se fosse Freud, ele diria que é o id (sua consciência volitiva) quem
controla a mente dos homens hoje, tudo parece ser uma questão de “suprir uma
necessidade” que na verdade não existe.’
Houve um silêncio enquanto e depois de
ter dito isso, vi algumas reações de concordância com a cabeça, percebi que essa
“pedrada” havia acertado a janela, ainda não sei, mas minha esperança é que
tenha quebrado o vidro e acertado o espelho dentro da casa.
A
razão e o cristão
A aula acabou, mas aquilo que eu havia
dito para eles voltou-se para mim com uma pergunta “e o cristão, onde cabe isso
na vida cristã?” Logo me lembrei de Paulo dizendo em Romanos sobre “culto
racional”, diz o texto “Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas
misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a
Deus; este é o culto racional de vocês”[2]. Me perguntei novamente: “Quantas
vezes uso a razão para prestar culto a Deus?”
Quero que
você saiba que não é um gnosticismo, não significa que ter conhecimento ou currículo
acadêmico é ser salvo ou glorificar a Deus. Não é isso, a pergunta que me fiz e
que te faço é: Quantas vezes eu estou racionalmente consciente da minha prática
cristã? Outra pergunta seria: “Quantas vezes não estou agindo mecanicamente,
sem sequer pensar nas minhas ações? Quantas vezes a fé cristã é controlada
pelas necessidades básicas ou pela autoproteção? E eu creio que nenhuma dessas
duas seja saudável.
Sem dúvida
que nossa razão não é auto suficiente, não acredito nisso, pois, como herdeiros
do pecado de Adão estamos sujeitos a uma mente limitada, incapaz de compreender
as maravilhas de Deus, bem como os malefícios do pecado sobre nós. A própria
queda de Adão e Eva foi a superação do controle racional pela vontade (parte
concupiscente, id), além de querer
vencer o que julgou repressor (outo proteção, superego), colando de lado a sua razão que conscientemente sabia
que não deveria comer o fruto, pois os mataria[3].
Depois da
queda, a razão humana fica enuviada pelo pecado, que agora o impede de ver
claramente, tal qual a neblina numa manhã de inverno ou a noite sem luar, somos
tomados agora por instintos que nos levam ao descontrole, ao desequilíbrio, a
irracionalidade. Quando os homens decidem fazer só o que lhes dá vontade, o
outro sofrerá as consequências.
Não me
lembro com exatidão, mas me lembro de Rousseau, querendo falar sobre a formação
da sociedade e das leis, ele afirma que ser guiado pelos instintos não é
liberdade, é escravidão, a verdadeira liberdade está em criar leis pelo uso da
razão e as obedecer, já que ao cria-las decidimos por elas não mais por
instinto[4].
Rousseau
não é cristão nem estava pensando nisso quando escreveu essa ideia, contudo,
pensando sobre o “culto racional” me recordo disso e não é possível não liga-la
a fé cristã, Paulo nos lembra que antes de Cristo éramos escravos pecado
(romanos 6) e que agora por meio do sacrifício de Cristo devemos obedecer a
Deus, nos submetendo as Suas leis.
Voltando a Platão,
seria dizer que nossa parte racional estava aprisionada por causa do pecado e
que agora em Cristo ela é livre para controlar as outras duas, o versículo
seguinte ao citado no inicio dessa seção diz Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes
de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus[5].
O culto
racional exige uma mudança de mente, ou seja, não mais obedecer a parte
concupiscente ou iracivel de nossa alma, mas obedecer a nossa parte racional,
liberta por Cristo, para a obediência a Deus e suas leis.
Me recordo
do livro de John Sttot, Crer é também
pensar[6], e penso como
podemos não saber porque temos fé em Cristo. Como podemos dizer que somos
cristãos quando nossa ação não reflete a Cristo, e digo isso como uma reflexão
pessoal, pensando em todas as vezes que não agi como deveria fazer,
simplesmente por que quis fazer do meu jeito, sem pensar.
Mudança de
mente, mudança de atitudes a conta e resultado são esses. Não podemos colocar
nossa razão embaixo do tapete, ser cristão é algo que se faz com a razão, não
por Espirito Santo, o Espirito não é guia de “cristão instintivo”, Ele guia
cristão que é controlado por sua razão.
Seja você um não cristãos, essas ideias
também se aplicam a você, concorde ou não, você foi feito a imagem Dele, a
morte de Cristo na cruz também foi para que você, crendo, seja salvo, volta de
Jesus descrita em Apocalipse também vai envolver a sua presença. Talvez você olhe
e não veja razões que agradem a você, já que irão sim, limitar você, mas esse
limite vai colocar você em um equilíbrio racional, você não seja mais
controlado (ou descontrolado) pelos seus desejos e instintos. Seguir a Cristo é
uma escolha que passa sem dúvida pelo crivo da razão. De ao menos o beneficio
da dúvida.
- Reflexões de um professor sobre o papel de ser professor
- Ser professor é obedecer ao segundo mandamento
Outras reflexões
- Pensamento e Ação